“#Sombra” é o título do mais recente álbum de Hip Hop do rapper angolano Kid Mc, aquele que é, com certeza, o mestre-de-cerimónias (MC) que mais tem impulsionado o movimento underground do Hip Hop nacional nos últimos tempos e que é para muitos um rapper incorrigível.
Kid Mc começou esta saga com o lançamento do seu primeiro álbum a solo intitulado „Caminhos‟ em 2008. Dois anos mais tarde Kid lança o seu segundo álbum de originais a que chamou de „Incorrigível‟, confirmando a conquista do seu espaço na arena do hip hop nacional.
Desde o pretérito dia 7 do corrente mês que a terceira obra de Kid Mc assombra as ruas de Luanda. #Sombra é um álbum com 17 faixas que abordam vários temas, desde a trajectória dos movimentos de libertação nacional que nos conduziu à independência, à ausência do senso de irmandade que reina nos dias de hoje, passando por pedras no caminho, o Mc fala de temas polémicos como a banalização da sexualidade e de ecos que no passado ecoaram na era colonial dando origem a música angolana.
O álbum começa com os acordes iniciais do tema homónimo ao título do álbum, ‘Sombra’. Nesta faixa Kid Mc conta a história num tema surreal que começa na década de 60, os anos que testemunharam o surgimento das primeiras e da maioria das independências africanas.
‘Cego por opção’ é um tema que o Kid dedica às pessoas que, segundo ele, por não revolucionarem a maneira de pensar estão a condicionar o avanço do país. As mentes conformistas e que por isto estão alienadas não percebem a „divina luta‟ deste Mc, muitos deles o ignoram porque “enquanto as maratonas estiverem no activo o teu voto estará sempre garantido (…) é triste saber que o teu voto só vale uma cerveja”.
Segue-se o tema ‘Mentes criminosas’, este tema traz também a primeira participação do leque de convidados do Kid. O rapper Drunk Master acompanha-o neste tema que retrata o surgimento de várias “mentes que nunca aceitaram mudar a sua forma de pensar perante o sistema e quando pensar diferente torna-se um crime, estas mentes tornam-se mentes criminosas”.
‘Pedras no caminho’ é um dos singles promocionais deste álbum e vem com a participação da harmónica voz de Selda que debitou a sua participação numa interpretação magistral no coro. Nesta faixa Kid recorda momentos bons e maus da sua carreira, relembrando circunstâncias tristes como a separação da crew (grupo) e o momento de tensão no beef que teve com um conhecido rapper nacional.
O tema que se segue é baseado, segundo o Kid, em factos reais, a faixa ‘Não dá’ fala de uma fã que se sente atraída pelo rapper e lhe propõe uma noite, só que o seu namorado é amigo do Mc. Suportado por uma base instrumental bem candente gentilmente cedido por Boni (Diferencial), „Não dá‟ é também adornado pelo coro da belíssima voz de N‟soki, que diz “não vai dar/ não vai dar/ não vai dar/ baby eu não posso ser/ eu não posso ser o contrário daquilo que eu cantei”.
‘Muxima’ (Coração), nesta faixa a mensagem, a interpretação e o beat (instrumental) andam juntos, de mão dadas e ao mesmo nível de qualidade. Este tema conta com a participação do „decano‟ do underground Mc K, uma presença que está a se tornar habitual nos discos do Kid Mc. Apoiados pelo agradável coro de Paulo Matomina, os Mcs discorrem nos seus versos sobre a falta de solidariedade que reina actualmente na nossa sociedade. “Cadê o coração que se emocionava e se alegrava sempre que alguém visse a sua vida realizada?” Através do coração (Muxima) os Mestres de cerimónias apelam aos ouvintes a ter „fé em Deus, humildade e paz‟.
Assim que ecoam os primeiros acordes da faixa que se segue, podemos perceber que vai entrar um tema melancólico e nostálgico. ‘Ecos do passado’ surge por cima de uma base instrumental que assenta nas notas de um piano samplado* pelo produtor Mad Contrário que reutiliza a melodia do ‘Noites de Luar’ (Morro da Maianga) de Rui Mingas, onde o Kid aproveita para homenagear nomes como David Zé, Sofia Rosa, Urbano de Castro, Belita Palma, Artur Nunes, Kiezos entre outros “poetas do musseque”, a quem o artista reverencia sinceramente e não os esquece porque “eles são a raiz e a chama, pois deram a luz à uma cultura chamada música angolana”.
A promiscuidade e a banalização da prática sexual são os temas abordados na faixa ‘Favores sexuais’. Nesta música, Kid Mc analisa o contexto social onde muitas mulheres são colocadas na posição de objectos sexuais, por isso são assediadas e „obrigadas‟ a ceder ao “teste do sofá” para conseguirem alcançar os objectivos a que perseguem e “não há alternativas pois estão a ensinar que para singrar é só abrir as pernas em vez de pensar”.
“O quê que querem que eu cante? Que o país está todo bem? E que Angola passou de 0 por cento à 100? …o quê que querem que eu cante?”. È com esta sucessão de interrogações que começa a próxima faixa cujo título, pois claro, é uma interrogação. ‘O quê que querem que eu cante?’
Sem contemplações Kid Mc responde – até parece paradoxo, pois ironicamente Kid faz uma série de interrogações – o Mc usa e abusa desta figura de estilo, pois é irónico do início ao fim, fazendo uma sequência de suposições que nos levam a reflectir sobre o elevado nível de degradação social que o país vive e que ainda assim há quem queira que os artistas cantem somente sobre amor e festas ou coisas do género.
“Somos filhos de um Deus maior”, com esta frase metafórica e forte começa na voz de Kool Klever o tema „Nós Podemos‟, tema que traz ainda a participação do regressado rapper Bob Da Rage Sense numa exímia produção de Ricardo 2R.
Reaproveitando o famoso slogan de Barack Obama nas eleições de 2008, „Yes, we can‟ (Sim, nós podemos) os Mc´s falam sobre a auto-superação e a crença na força e capacidade dos negros africanos, ao contrário do que se tenta passar por aí. “A ideia não é ser igual aos brancos…” somos negros e devemos nos orgulhar por isso, pois “o facto da nossa cultura e raiz ser diferente não nos caracteriza como seres inferiores mentalmente”.
Devemos acreditar em nós mesmos, nos orgulhar das nossas origens, lutar e “vencer a cela, conquistar o mundo com o sorriso de Mandela”.
Sucede-se a faixa „Give me the freedom‟ (Dê-me a liberdade), bem podíamos resumir esta faixa numa só frase: “…deixa-me viver como eu sei”. A base instrumental é produzida por Kallisto e para esse tema não podia ser melhor escolhida. Numa vibe reggae e em companhia do virtuoso Mc da Home Makers, God G e ainda com a belíssima interpretação vocal no coro do rapper Old Schol, Simimi Ni Moyo. „Give me the freedom‟ levanta a bandeira da liberdade, afinal o que são os homens senão seres em constante necessidade de se sentirem livres? Por isso, “Toma a riqueza do mundo dá-me a liberdade como troca” e… “deixa-me viver como eu sei”.
#Sombra é um álbum diversificado e contundente. Neste trabalho Kid Mc aborda os temas escolhidos com a profundidade que se esperava. Se um álbum é um “Jogo de sentimentos‟, como o próprio Kid o admite, então esta obra já é uma importante peça no “game‟ angolense.
Se o Kid Mc está a fazer história a cada disco/álbum, isto só o tempo dirá, mas uma coisa é certa, o #Sombra anda muito perto de se tornar o melhor álbum deste rapper.
Por: Hélder Guimarães
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