Este review foi retirado do blog
Boom Bap, achei ideal para apresentar o Emicida para vocês. No final do texto podem encontrar algumas músicas para baixar e conhecerem um pouco mais este mc que tem feito muito sucesso no Brasil.
Paz
Um dos maiores fenómenos do rap brasileiro nos últimos tempos finalmente lançou sua primeira empreitada. O paulista Emicida, que ficou famoso pela sua habilidade no freestyle, depois de um bom tempo na luta, jogou na rua a mixtape "Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe". O trabalho confirma que o cara é sim uma das maiores promessas da cena “tupiniquim”. Melhor, uma realidade já, uma esperança e um espelho para futuros emcees nascidos em terra brasilis.
A mix contabiliza 25 faixas, todas mixadas entre si. O número pode ser alto, mas é bom lembrar que esta é uma mixtape, o que dá uma liberdade maior de formato do que um álbum, por exemplo. Divagações sobre fitas e discos à parte, o que importa é que Emicida, com suas rimas e escolhas de bases, representa uma resposta para as várias questões que atormentam o rap nacional na sua eterna encruzilhada entre velha e nova escola. Por quê? Porque ele é o elo perdido entre ambas, um híbrido de um Mano Brown menos revoltado e um Kamau mais político. Resumindo, ele não perde o activismo fortíssimo dos anos 90, mas busca os novos assuntos e conceitos tão valorizados pela geração 2000.
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Emicida pode falar sobre mulher, filosofar sobre a vida, fazer crónicas do espaço urbano, ser introspectivo, revisitar sua infância, discursar directamente à favela, escrever uma ode ao hip hop etc. É essa versatilidade e mente aberta que salta aos olhos. Some isso ao carisma e à capacidade inacta de soltar punchlines no momento certo em cada faixa, e você tem o matador de emcees, quase um resultado do realismo literário. Um cara que é gente da gente, e de madrugada vira este super-herói que escreve as rimas mais impactantes do rap brasileiro.
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Só a introdução do disco pode ser considerada melhor do que muita coisa que sai todo dia pelos esgotos do hip hop mundial. Meio spoken word, sobre uma plataforma jazzística acompanhada por percussão à la Gil Scott-Heron, Emicida fala sobre tudo, de uma forma que realmente capta sua atenção, mesmo em meio a um metro lotado e barulhento. Mas há mais, e você percebe logo em seguida, com a raivosa "E.M.I.C.I.D.A." e as caixas pesadas e piano cortado, cortesia de Nave.
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Os destaques são inúmeros: "Pra Mim..." é a atmosfera perfeita pro emcee falar sobre as coisas que mais gosta; o hilário sample e o cavaco de "Ainda Ontem" abrem alas para a metalinguagem sobre freestyle; "Por Deus, Por Favor" é um exercício de storytelling, com algumas histórias que desaguam no título da faixa; em "Cidadão", Emicida vira suas armas para seus próprios irmãos, vocalizando uma mea-culpa tão necessária quanto apontar os problemas do "sistema".
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No final da mix, entretanto, é onde residem as faixas mais marcantes. "Hey Rap!", com um beat impecável de Dario, é uma carta aberta ao rap nacional, que culmina na criativa segunda estrofe, na qual Emicida rima usando nomes de alguns dos discos mais importantes da nossa história. Em seguida, o cara pega emprestado a base de "One Mic", do Nas, para uma homenagem comovente para o DJ Primo, em "Essa é pra você, Primo". Comovente também é o adjectivo mínimo para classificar a faixa de encerramento do registro, "Oorrra...", uma autobiografia acachapante, capaz até de arrancar lagrimas dos mais desavisados.
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Enfim, "Pra Quem Já Mordeu..." alcança, no mínimo, a expectativa da legião de fãs do emcee paulista. É um registro sincero, sem amarras, que pode, sim, nortear a próxima geração. O facto de ser uma mixtape é uma faca de dois gumes. Obviamente, algumas faixas não se destacam tanto quanto outras, o que é compreensível. Por outro lado, a ansiedade e esperança que um álbum completo e pensado vai despertar será grande demais. Que o filho da dona Jacira vença mais esta barreira. O rap brasileiro agradece.
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