“Proibido ouvir isto” é o título do mais recente álbum de Hip Hop do rapper angolano Mc K, aquele que é, para muitos, o melhor mestre-de-cerimónias (MC) do Hip Hop nacional e, para todos o rapper mais polémico do movimento underground.
Quando lançou em 2002 o álbum de produção arrojada “Trincheira de ideias”, Mc K concedeu ao movimento Hip Hop underground, até então muito oculto, uma notoriedade extraordinária, passando a ser ainda mais conhecido quando a 26 de Novembro do mesmo ano um lavador de carros alcunhado ‘Cherokee’ foi brutalmente assassinado por cantar uma das suas músicas.
Cinco anos depois do lançamento do seu segundo álbum “Nutrição Espiritual”, Mc K brinda os seus fãs com uma nova obra recheada de temas proibidos, como a política, o sexo que ainda é um tabu, o racismo que é velado, o tráfico de drogas, a homossexualidade, e o enriquecimento ilícito.
O álbum começa com um Intro, ‘Fogo amigo’ onde o autor dá as boas vindas aos fãs e faz uma breve retrospectiva da vida nacional em relação aos temas por si abordados nesta obra, reafirmando os seus ideais e reassumindo o seu compromisso com a verdade.
Na faixa intitulada ‘Cinco anos de ausência’ o K começa por pedir desculpas aos fiéis por estar tanto tempo ausente do movimento, mas afirma que apesar disto não esteve alheio “à realidade e aos factos”. Faz ainda uma síntese dos principais acontecimentos dos últimos anos: a eleição de Obama nos EUA e as eleições de 2008 em Angola. “Cinco anos se passaram e muita água rolou…” pode-se ouvir no refrão, mas ele continua falando das emoções do CAN2010 e do facto deste acto não ser uma prioridade, apesar de ter sido um sucesso.
‘Por detrás do pano’ é a faixa mais introspectiva do álbum. Nesta música, McK destapa um sentimento nostálgico que dá primazia aos valores em detrimento dos bens materiais. Fala do engano das aparências e da importância de simples gestos, reflectidos em passagens como: “… nada preenche o vazio da ausência dos pais/ a alegria que a amada traz/a falta que um kamba faz/ a alma tem outras necessidades/ dinheiro não compra felicidade”. Para além destes versos assentes numa base instrumental feita à medida, esta música tem ainda um bonito coro na língua nacional Umbundu genialmente interpretado por Beto de Almeida coadjuvado no final pela Ângela Ferrão.
Num dueto com Paulo Flores, Mck remistura ‘N’zala’ [fome] do Rei Elias Dya Kimuezo numa bela combinação da acústica da guitarra e o violino com a fala ritmada do rapper, que rima com nostalgia o sofrimento das crianças angolanas órfãs da sua própria infância, vitimadas pela brutalidade duma guerra civil e carregando uma memória pesada demais para a sua tenra idade.
As sirenes da polícia anunciam a entrada da faixa ‘Kamama ou Kuzu’, com uma surpreendente participação de Bruno M. Nesta, McK narra uma história fictícia que um dia já foi a realidade de vida do Kudurista, mas que ainda é a realidade de muitos jovens da periferia que, por se sentirem excluídos da sociedade, mergulham no crime passando de culpados à vítimas do sistema carcerário, encontrando-se num beco com apenas duas saídas: a morte (Camama) ou a cadeia (Kuzu).
“Eu cresci aqui e a mim ninguém engana”. Com esta frase McK começa o tema ‘O País do Pai Banana’, Na qual o rapper destaca a disparidade entre os estratos sociais em Angola, o crescente fosso entre o pacato cidadão e os que têm poder ou se encontram próximo dele. “Tudo é deles do talatona à ilha (…) para nós só temos Zango e Panguila”. O músico critica o contraste nos discursos dos dirigentes “…combatemos o alcoolismo com maratonas…”, no País do Pai Banana.
Numa base instrumental raggae, McK traz outro convidado, o irreverente Ikonoklasta (Brigadeiro Matafrakuz) e os dois interpretam ‘A bala dói’. “Sempre nos prometem comida mas só nos dão porrada…”, com algum senso de humor os rappers manifestam a indignação pelos últimos acontecimentos da cena política nacional e não só, onde se enquadra o polémico discurso do Presidente da República, “… quando eu nasci também já encontrei a pobreza/ herdamos todos, menos a princesa”.
Em ‘Vida no avesso’, a minha faixa preferido do álbum, McK relata o desespero das pessoas que sem outra alternativa depositam as esperanças numa intervenção divina, “Jesus Cristo volta já teu povo está a chorar/ já é quase meio século de vida no avesso”. Embora reconheça algumas melhorias, o Mc sabe também que ainda se regista muita falta de vontade política para se fazer o que tem de ser feito, “A chuva tem estatuto e mais garra que a oposição/ desmascara as burlas das obras de um milhão”.
Para fechar o álbum McK traz a faixa “Eu sou Angola”, neste tema katrogi discorre de maneira genial sobre as nossas origens, tribos, etnias e regiões da nossa Angola com humor, nostalgia e, como não podia deixar de ser uma pincelada crítica. Tudo isto feito naquele jeito peculiar do K e açucarado com a introdução de algumas linhas em línguas nacionais a rimarem com frases em português. " Ei mbinda, mbinda mwana tchowa/ um gajo passa fome o estrangeiro está na boa".
“Proibido ouvir isso” é um álbum pertinente em todos os aspectos e que reproduz com fidelidade a nossa angolanidade. As faixas são verdadeiras lições de consciência. Eu diria mesmo que este não é um disco comum de Hip Hop como estamos habituados a ouvir, é mais do que isto, é um disco de Hip Hop angolano, como aliás também são os seus outros dois álbuns.
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